terça-feira, 8 de abril de 2014

Que país é este?

A famosa banda Legião Urbana nos legou grandes pérolas da música brasileira, incluindo composições de natureza reflexiva-crítica do Brasil e das brasilidades. O ponto alto talvez seja a letra homônima ao título deste texto, na qual é feita uma leitura geral das condições sócio-culturais da pátria amada. A arte musical nos tem servido como uma das formas mais notáveis de manifestação de indignações políticas e das utopias de uma nação melhorada em seu funcionamento e organização.
Desde os anos de chumbo da ditadura civil-militar até os dias atuais, seja na MPB ou nos raps e funks nascidos nas periferias deste imenso Brasil, são as variegadas formas de veicular pela música as críticas aos problemas graves e comuns da nação. O poder imediato de comunicar-se aos sentimentos justifica em grande parte a escolha de tal modalidade artística, bem como de sua fácil penetração em todas camadas sociais. Some-se a isso a musicalidade que é um dos fatores que compõem nossa nacionalidade.
Todos nós crescemos num caldo cultural aonde somos bombardeados com estereótipos sobre nosso país continental, variando das proposições ufanistas até as objeções mais pessimistas. Em comum podemos concluir a complexidade de nossa população e seu alto grau de contradições internas, desafiando os mais experientes analistas e investigadores.  Chegamos ao entendimento, observando nossa história e realidades, que moramos em diferentes Brasis, que guardam entre si o desejo de autoidentificação e a necessidade de diferenciação, simultaneamente.
Um dos caracteres mais definidores e participadores de nossas identidades brasileiras é o âmbito do religioso. Parece que ser brasileiro é estar implicado em alguma forma de discurso religioso ocidental e suas leituras de mundo. A religiosidade marca de maneira poderosa nossos anseios de autopercepção e identidade nacional positiva. Há uma certa crença amplamente difundida da cordialidade espontânea do povo brasileiro, a se expressar em especial por uma acreditada convivência pacífica de várias matrizes religiosas.
Muito esperado que tal ânsia fosse verificada também nos movimentos espíritas brasileiros, que construíram a partir da década de 1930, ideologias e legitimações mediúnicas de uma supostas missão espiritual relevante da terra brasilis. De alguma foram este discurso caiu bem na época ufanista em que surgiu e historicamente tem produzido resignação irrefletida ante um cotidiano tao penoso e contextos econômicos desfavoráveis. Curioso notar que algo semelhante aconteceu apenas (por enquanto) na França, através do autor Léon Denis (vide por exemplo “O mundo invisível e a guerra”).
Diante de tao complexa questão, sempre com respostas variantes no espaço e no tempo, e após séculos de exploração estrangeira, a índole brasileira parece inclinada a um discurso salvacionista-religioso que possa justificar as misérias nacionais e projetar-lhes um futuro espiritual glorioso, com os missionários brasileiros conduzindo o globo à regeneração da Humanidade terráquea. O grande consolo das penúrias e o estímulo a uma nacionalidade comum seria nosso projeto de liderança espiritual.

A doutrina espírita nos convoca incessantemente à criticidade de tudo, incluindo às comunicações mediúnicas. Que país é este que se diz portador de tao elevada e nobre missão? Nossa história repleta de violências e nossas realidades permeadas de privilégios e exclusões condizem com uma pátria do evangelho? Lemos em O Livro dos Espíritos, resposta da pergunta 930: “Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome.” Podemos considerar o Brasil como Pátria do Evangelho? Afinal, que país é este?

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