Parece
estranho ao leitor familiarizado com Espiritismo uma tal afirmativa que
intitula este texto. Soa arrogante, sectarista e chauvinista. Todo aquele
sujeito minimamente informado da Doutrina Espírita sabe de sua enfase na ação
caritativa como modo de obter a salvação, entendida como pleno desenvolvimento
espiritual do ser. Não advoga a pretensão da verdade total, posto que contraria
sua própria dialética epistemológica bem como provocaria divisão e animosidade,
alimentando egos e interesses escusos. A Lei de Deus pode ser observada por
toda criatura, independente de suas crenças, vínculos religiosos, etnia ou
nacionalidade.
Jesus nos
ensina que muitos serão os chamados mas
poucos os escolhidos (Mt, 22:1-4), simbolizando na Parábola da Festa de
Núpcias que a bondade divina oferece oportunidades e recursos para todos
espíritos e agrupamentos humanos colaborarem no progresso individual e coletivo
do orbe terrestre, no entanto somente os que tiverem purificados os corações
pela prática da caridade estarão em condições para usufruir do banquete
celeste. Adicionando a essa ideia a compreensão do processo reencarnatório que
nos faculta viver em diferentes lugares no globo (e também em outros planetas),
é evidente que a afirmação inicial é falsa.
Nada obstante,
devido ao nosso entranhado senso de superioridade, filho de nosso orgulho, típico
de nossas ilusões egoicas, é bastante comum considerar-mo-nos por motivos
quaisquer de âmbito exterior (nacionalidade, crença religiosa, condição
econômica, etc) melhores que os demais mortais.
Quantas vezes escutamos a pérola do “privilégio de nascer em berço espírita”, dentre
outras colocações petulantes nos movimentos espiritistas. Note-se a flagrante
incoerência com os próprios postulados fundamentais do Espiritismo acima abordados.
Ve-se também com frequência tal distinção em virtude da missão espiritual
brasileira.
A tese surgiu
na década de 1930, inicialmente com palestras de Leopoldo Machado na sede da
Federação Espírita Brasileira (aquela época no Rio de Janeiro) e posteriormente
catapultadas a fama e aceitação quase unanime com o lançamento do livro “Brasil,
coração do mundo, pátria do Evangelho” (autoria de Humberto de Campos pela
psicografia de Chico Xavier). Nada
absurdo a princípio, porque da mesma forma que existem missões individuais,
pode-se perfeitamente atribuir missões a povos inteiros. A história nos mostra
o povo hebreu apresentando as condições mais sócio-cultural-espiritual adequadas
para a vinda do Mestre.
O questionamento
se refere principalmente à interpretação romanceada, rosácea, assaz inocente
dos acontecimentos passados do Brasil, negando nossa violência histórica e
constitucional, tais como nos episódios marcantes da Guerra do Paraguai e da
escravidão (quase justificada por uma necessidade das vítimas, absurdo
inaceitável). A visão estereotipada do passado reforça a passividade do presente
e a alienação para a construção do futuro da nação. Muitas pessoas assumem e
reproduzem irrefletidamente estas ideias, ainda na cultura do guiismo mediúnico
e da ausência de crítica sistemática das comunicações.
Se à nação
brasileira esta reservada uma missão espiritual no conjunto do progresso global,
esta não é isolada das demais nações e nem é exclusiva. Por toda parte há
contribuições coletivas para as melhorias espirituais do nosso planeta, cada
povo, cada nacionalidade cumprindo seu papel. Portanto, nada de pretensões de
superioridade brasileira neste quesito muito menos arroubos de messianismo.
Somos tao importantes para conquistar a Regeneração planetária quanto os demais
países do concerto internacional. O caráter distintivo de cada povo se deve ao
união de Espíritos simpáticos formando famílias pela semelhança de seus
pendores mais ou menos purificados, segundo sua elevação.
Reforçando a
argumentação, recorremos a O Livro dos
Espíritos: “317. Após a morte, conservam os Espíritos o amor da pátria? ‘O
princípio é sempre o mesmo. Para os Espíritos elevados, a pátria é o Universo. Na Terra, a pátria, para eles, está onde se
ache o maior número das pessoas que lhes são simpáticas.’” (grifo nosso). Isso
não se condiciona a geografia ou belezas naturais do lugar ou a distinções
concedidas por avatares.
Encerramos as
reflexões novamente com a palavra lúcida da Espiritualidade superior, também retirada
de O Livro dos Espíritos em resposta
à pergunta 788 (grifo nosso): “Os
povos, que apenas vivem a vida do corpo, aqueles cuja grandeza unicamente
assenta na força e na extensão territorial, nascem, crescem e morrem, porque a
força de um povo se exaure, como a de um homem. Aqueles, cujas leis egoísticas
obstam ao progresso das luzes e da caridade, morrem, porque a luz mata as
trevas e a caridade mata o egoísmo. Mas, para os povos, como para os
indivíduos, há a vida da alma. Aqueles,
cujas leis se harmonizam com as leis eternas do Criador, viverão e servirão de
farol aos outros povos.”