sábado, 23 de junho de 2012

Pedro e João

Entre os doze apóstolos do Cristo, havia caracteres diversos, com anseios, esperanças e necessidades diferentes. O pequeno grupo formado pelo Messias, há quase dois mil anos na Galileia, é um micro-cosmo da nossa realidade e da nossa sociedade, e o convite feito pessoalmente pelo Cristo se estende até os dias de hoje a cada um de nós: “Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens”. No convite aos primeiros discípulos, os evangelhos sinóticos são unânimes em assumir a presença de Simão Pedro e João.
Pedro era o mais velho de todos os doze. Pescador por toda sua vida, casado e com pelo menos um filho, não teve estudos formais; tinha as concepções arraigadas construídas ao longo de sua existência e certa tacanhez na lida com os outros. João, o mais jovem dos discípulos, era também um pescador cheio de vida e entusiamo. De comparações imaginativas, tinha a ambição típica da juventude, e muitas vezes um impulso de ocupar lugares que ainda não lhe cabiam.
Pedro é convidado a seguir Jesus sobre as águas, e caminha sobre elas fascinado por algum tempo, até que o homem velho, levado por suas desconfianças e incertezas que acumulara ao longo da jornada, duvida e afunda (Mt 14:22-32). Recebe a repreensão do próprio Cristo, por ter sido fraco em sua fé. Por outro lado, João, no ímpeto de uma juventude que ainda não compreende a necessidade de se conquistar os próprios méritos, pede ao Cristo que lhe deixe sentar ao seu lado no Reino dos Céus (Mc 10: 35-45); o Rabi responde-lhe, severo, que o mais importante no Reino seria o que mais servisse na Terra.
Pedro, o mais vivido, é sempre o primeiro a questionar o Cristo, pedindo-lhe que explique suas parábolas (Mt 15:15); é quem quer saber se será sete o número limite de perdão às ofensas (Mt 18:21); é quem responde a Jesus sobre a multidão que o cerca no episódio da mulher hemorroíssa (Lc 8:42-48) e, julgando-se detentor da autoridade da senectude, chega a repreender Jesus, quando este declara que o Filho do Homem deveria padecer (Mc 8:30-33). João, ao contrário, tem poucas falas relatadas nos Evangelhos; entre elas, lembramos o momento em que ele relata orgulhosamente a Jesus, como quem busca aprovação, que proibira um homem de curar em Seu nome, sendo admoestado pelo Mestre: “quem não é contra nós, é por nós” (Lc 9:49-50). A personalidade impetuosa de João é provavelmente marcante, pois não seria à toa que o Cristo o chamaria “Filho do Trovão” (Mc 3:17).
Pedro, na entrega absoluta de quem sabe o que espera, oferece a própria vida pelo Cristo (Jo 13:17); afirma, no orgulho dos que já muito viveram, que não se escandalizará por causa do Rabi, mesmo que todos se escandalizem (Mt 26:33), e sofre mordazmente quando percebe sua fraqueza, ao negar o Mestre no momento derradeiro (Mt 26:69-75). João, o único evangelista que relata em seu Evangelho a promessa de Jesus da vinda do Paráclito – o Consolador –, no orgulho da juventude que se julga onipotente, diz a Jesus que ele e seu irmão são capazes de beber do mesmo cálice que o Messias, e de ser batizados pelo mesmo batismo que o Mestre (Mt 20:22).
O Senhor escolheu homens que possuíam defeitos, assim como temos os nossos. E nas mãos desses homens imperfeitos, Jesus colocou tarefas de importância imprescindível para a cristalização do Cristianismo nascente. Na responsabilidade do frágil, e por vezes obtuso Pedro, o Cristo lança as fundações da sua ecclesia – a comunidade de seus seguidores (Mt 16:13-23), devotando-lhe a confiança que o mais experiente de seus amigos merecia: “Tu és pedra, e sobre essa pedra edificarei minha Igreja”. João, o discípulo irrequieto e amado, que deita sobre o peito do Cristo para lamentar pela morte iminente do Messias (Jo 13:23), recebe a incumbência de cuidar de Maria, dizendo-lhe, ao pé da cruz: “Eis aí tua mãe” (Jo 19:27).
Todas as casas espíritas têm “Pedros” e “Joões”.
Em todo ambiente sagrado de trabalho, ocuparemos o papel ora daquele que se arroga em ser possuidor da verdade, ora daquele que deseja o cargo burocrático sem o merecimento da folha de serviço; ora daquele que tem dificuldades no trato gentil com os irmãos da seara, ora daquele que esquece o mais importante pelos festejos excessivos. Cabe a nós seguir o exemplo dos irmãos em Cristo e perceber que a cada um é pedido apenas Reforma Íntima constante e o melhor que temos para dar.
Pedro e João foram amigos desde sua sociedade como pescadores (Lc 5:1-11). O carinho que tinham um pelo outro aparece na última ceia (Jo 13:24-26), no reencontro que ambos tiveram com o mestre logo após a ressureição (Lc 22:7-13) e continua após a partida definitiva do Mestre do plano terrestre (At 3:4, 4:13, 8:14). O sucesso de qualquer empreitada na seara cristã não está na revolução completa das coisas pela juventude que chega, nem na manutenção absoluta das formas de pensar e agir dos trabalhadores de longa data; mas sim na compreensão e na confraternização entre ambos, na troca de experiências e colaboração mútua, caminhando no sentido de perceber que a possibilidade de trabalho e de amor não tem limite nem restrição de idade.



Texto composto a partir de palestra proferida no "I Encontro sem fronteiras do Jovem Espírita", realizado em Poços de Caldas em maio de 2012