terça-feira, 1 de abril de 2014

Os verdadeiros patriotas fazem perguntas

Vivemos em uma época tumultuada no Brasil devido aos protestos da população nas ruas de várias cidades e ao reexame do golpe de 1964 que instaurou no país a ditadura civil-militar. Este período político se caracterizou por repressões violentas e gerou consequências sentidas até os dias atuais na sociedade brasileira, tais como o agravamento das desigualdades sociais, ao aprofundamento da violência institucional policial, dentre outras.
Ante este contexto complexo e desafiante, muito natural de se pensar qual o papel dos espíritas diante de tantos acontecimentos e as possíveis interpretações baseadas no arcabouço doutrinário. Mais ainda, surgem justas indagações sobre a participação ou ausência do espírita no universo da política partidária, das manifestações populares, do clamor pelas mudanças nas instituições da democracia representativa e da melhoria dos serviços públicos -transporte e segurança em destaque.
Os próprios movimentos espíritas, em especial os brasileiros, criaram discursos sobre a vocação de certas nações no concerto diplomático internacional. A crença mais difundida trabalha a ideia de Brasil como coração do mundo e pátria do evangelho. Haveria uma missão do nosso país de guiar espiritualmente o globo rumo ao estágio da regeneração. Nossa história autoriza e valida tal discurso? A violência colonial que nos marca ainda hoje, a ditadura recente e tantos fatores da sociedade em curso nos chamam atenção para uma discrepância notável entre um ideal romantizado em ambiente espiritista e os fatos rotineiros.
No aniversário do fatídico golpe, precisamos valorizar os questionamentos, advogar a liberdade de expressão, até para que mesmo as opiniões extremamente impopulares possam ser expressas. Thomas Jefferson, um dos pais da independência estadunidense, já trazia este ideal na organização daquela democracia nascente: “Prometo usar minhas faculdades críticas. Prometo desenvolver minha independência de pensamento. Prometo me educar de modo a poder formar minhas próprias opiniões.”
Há certamente um preço por tal conduta autônoma. A maioria de nós é a favor da liberdade de expressão quando existe perigo de nossas opiniões serem reprimidas, mas não ficamos tao contrariados se opiniões que desprezamos enfrentam censura aqui ou acolá. Conforme se lê na obra O mundo assombrado pelos demônios, capítulo homônimo ao artigo: “Em seu famoso livrinho On Liberty,o filósofo inglês John Stuart Mill afirmava que silenciar uma opinião é um ‘mal peculiar’. Se a opinião é correta, somos roubados da ‘oportunidade de trocar o erro pela verdade’; e, se está errada, somos privados de uma compreensão mais profunda da verdade em ‘sua colisão com o erro’. Se conhecêssemos apenas o nosso lado da argumentação, mal sabemos sequer esse pouco; ele se torna desgastado, logo aprendido de cor, não testado, uma verdade pálida e sem vida.”
O próprio Espiritismo incentiva, pela sua origem e natureza metodológica, científica, a liberdade de pensar e de consciência como seus pilares fundamentais. Faz-se mister questionarmos lucidamente o discurso ufanista-nacionalista surgido na década de 1930 dentro dos arraiais espíritas brasileiros sobre uma suposta missão da pátria, com argumentos ingênuos e superficiais. Observemos a Codificação Kardeciana, que registra em O Livro dos Espíritos: “837. Qual é o resultado dos entraves postos à liberdade de consciência? Constranger os homens a procederem em desacordo com o seu modo de pensar, fazê-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso.”

Somos todos convidados a perguntar, duvidar, criticar. Se não podemos pensar por nós mesmos, se não estamos dispostos a questionar a autoridade, somos apenas massa de manobra nas mãos daqueles que detêm o poder. Mas, se os cidadãos são educados e formam as suas próprias opiniões, aqueles que detêm o poder trabalham para nós.  Diante da história do nosso país, das atrocidades da ditadura civil-militar ora em pauta novamente em virtude dos 50 anos do golpe, precisamos ser mais críticos com relação ao discurso irrefletido de amplos setores dos movimentos espíritas sobre o Brasil pátria do Evangelho, bem como as consequências funestas decorrentes desta ideia, tais como a passividade social e o conluio com os opressores de todas as esferas (tanto políticas quanto espiritistas).

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