Pode parecer estranho ao leitor confrontar-se com este título
num espaço virtual no qual se discutem ideias e ocorrem divulgações
relacionadas aos trabalhos das Mocidades Espíritas (ME) de Juiz de Fora. Muito
esperado que surja um espantamento inicial por conta dos “arquétipos coletivos”
que são sutil ou explicitamente inculcados em nós, frequentadores ou seareiros
dos grupos jovens, a respeito da natureza e organização dos mesmos. Afinal, é
de senso comum o entendimento das ME como locais de livre manifestação do
pensamento e das opiniões, ambientes de vera fraternidade e total entrosamento
dos participantes. Será mesmo?
Em virtude do paradigma imposto há tanto tempo e da visão
romântica (e ingênua) do que são e de como se organizam as ME, equivocadamente
analisadas fora de contexto nos Centros Espíritas e nos Movimentos Espíritas,
questionar este arquétipo soa heresia (o que nos deixaria profundamente
satisfeitos), atitude de menoscabo ou raivosa. Esperamos que a leitura atenta e
desapaixonada das linhas seguintes afastem tais impressões e permitam o
compartilhamento de uma visão crítica com interesse de promover avanços nas
práticas e nas interpretações do assunto em destaque. Nos referimos
especificamente à uma ideia basilar de pseudo
amor, fruto da não análise sistemática e do corporativismo de muitos, a
qual gerou e alimenta a Ditadura da
Afinidade e a Ditadura da Simpatia.
As duas ditaduras poderiam ser consideradas como apenas uma
em termos práticos e sua divisão é apenas didática, com vistas a enfatizar que
a 1ª leva necessariamente à 2ª. A pressão, muitas vezes subconsciente, em criar
e manter uma aproximação das pessoas a qualquer custo gera uma simpatia forçada
e também invasiva, embora, a priori,
bem intencionada. Faz-se mister localizar a origem deste comportamento egóico
nas estruturas mesmas dos Movimentos Espíritas, os quais estão permeados de
“obssessão fraternal”, fiscalização de métodos e condutas autoritárias. Tudo em
prol de uma tal Unificação... Em virtude de tal interpretação imatura de
Espiritismo e de Evangelho, vemos sessões de abraços constrangidos,
cumprimentos mentirosos e sorrisos amarelos. É preciso estar em sintonia com
todos, amar todos e manter os outros sob vigilância para que ajam nesta
adequação consensual.
O leitor poderá estar questionando a argumentação com uma
lembrança: ele próprio ou outrem abraça e cumprimenta espontaneamente, com
prazer e alegremente. Mas tal lembrança vem corroborar a ideia central do
texto. Basta um questionamento simples: todos se sentem assim confortáveis?
Todos desejam abraçar / serem abraçados? Os que não desejam, são respeitados?
Os que não desejam são rotulados? Eis o ponto fundamental. Uma análise honesta
e uma observação acurada demonstram inexoravelmente a coerção exercida,
sutilemente praticada. Passemos aos exemplos.
O jovem que chega em uma das ME deve ser recebido
gentilmente, o que habitualmente se traduz por ser abraçado, mesmo contra sua
vontade. Se ele passa discretamente e busca um canto pra ficar quieto, logo
será buscado por alguém muito simpático que o irá retirar desta situação e
dar-lhe um afetuoso abraço... não
desejado. Isso se fugir ao montinho sorridente e dedicado da galera da
recepção. O que dizer das dinâmicas? Sempre dá-se um jeito de forçar os
presentes ao amplexo uns com os outros. O que pensar das “sensibilizações”?
(ainda estou procurando a utilidade e a seriedade delas) O tormento de ver um
sujeito à frente de uma multidão, conduzindo a atividade para um climax emotivo
de lágrimas, mãos dadas e abraços efusivos. Os encerramentos ou “vibrações” nas
quais todos tem de se levantar ao som de músicas espíritas, darem as mãos
candidamente e rodarem feito borboletas ao redor da lâmpada. E claro, sem
mencionar que todas interações são absolutamente fraternais, sem nenhuma
segunda intenção jamais... Os Encontros formam um capitulo especial: todo mundo
feliz, se abraçando o tempo todo, abraçando todo mundo. Seja por um dia ou
mais. Os eventos que ocorrem no carnaval exigem mais persistência para a
maratona de contatos e sorrisos sem fim.
É um exercício oportuno e elucidativo observar as pessoas
fora das reuniões das ME. São poucas as que mantêm os hábitos de abraçamento e
vínculos de simpatia... justamente
aqueles com os quais naturalmente se afinizam. Curioso, não? Insistimos que o
problema não está em abraçar e manter a simpatias, mas sim no seu caráter totalitário. Por isso a alcunha
de ditaduras, porque fruto de imposição dogmática e falta de criticidade das
práticas. A Doutrina Espírita convida nosoutros ao estabelecimento de vínculos
fraternais mobilizados pela convivência, na qual construímos as afinidades e
simpatias, ganhamos a confiança uns dos outros e criamos intimidades, gradual e
espontaneamente. A homozeinezação de condutas é a desgraça a ser expulsa dos
arraiais espiritistas, sob o sério risco de superficializar as relações. Jesus
nos ensinou o amor e não o pieguismo por guia nas experiências interpessoais.
Lembremos do Nazareno lidando com as criaturas, sempre amando-as em cada
ocasião, seja orientando, quer advertindo, e também dialogando. Nada de
emocionalismo barato mas sim conversas intestinas e honestidade equilibrada.
O acolhimento ao outro, o amar ao próximo parte do princípio
de respeito ao universo do sujeito, do acatamento de sua singularidade e de seu
modo de ser. Afinidades são construídas no conviver, na medida em que existem
comportamentos, sonhos, vontades em comum. Impor ao outro o meu afeto é
desconhecer a orietação espírita no tocante ao livre-arbítrio, tão propalado e
desconsiderado... Registra-se na 3ª parte de O Livro dos Espíritos, a obra fundamental
do Espiritismo, a Lei de Liberdade. Não seria coerente exercê-la também nas
proprias ME? Aliás, neste mesmo livro encontramos um item de grande utilidade
nesta reflexão. Vejamos:
“390. A antipatia instintiva é sempre sinal de natureza má?
´De não simpatizarem um com o outro, não se segueque dois
Espíritos sejam necessariamente maus. A
antipatia, entre eles, pode derivar de diversidade no modo de pensar. À
proporção, porém, que se forem elevando, essa divergência irá desaparecendo e a
antipatia deixará de existir.´” (grifo nosso)
A diferença de pensar e, por extensão, de agir, é comum entre
as pessoas e profundamente saudável no crescimento de todos nós. Aprendemos a
nos posicionar num mundo de variedades, aprendemos com as visões alheias e que
divergências não significam guerras nem ódio nem desunião. Lidando com as
diferenças e buscando a resolução de conflitos através de diálogos sinceros
amadurecemos para o Amor incondicional ensinado pelo Cristo, sem atitudes
convencionais, sem culpas, medos, repressões ou recalques. Convidamos ao leitor
que pondere sobre isto e analise as vivências nas ME (e suas atividades) o que
e como ocorrem os relacionamentos: na base do respeito e da liberdade? ou de
maneira imposta e superficial? Partindo das observações críticas terá melhores
condições de se posicionar sobre o assunto e buscar vivências coerentes com as
orientações do Mundo Maior, permeadas de amor sincero e lúcido, energia e
racionalidade.
Vemos com bastante frequência nas ME a indignação devido à
conduta de religiosos tentando impor suas visões de mundo ou suas
interpretações bíblicas em nossas portas domésticas. Nos irritamos com os
grupos de abraçadores que ficam nas ruas “oferecendo” seus amplexos e pensam
que a sua generosidade significa obrigação de reciprocidade. Ora, como reclamar
de tais procedimentos se algo semelhante acontece nos próprios grupos? Não
seria a ocasião de uma pitada de autocrítica e mudança de comportamento? Menos hipocrisia
e mais autenticidade? Que tal respeitarmos (sem cara de reprovação) as opções
de não contato? Que tal dar a cada um a liberdade de ser e agir conforme seu
próprio temperamento? E, se você quiser aceitar, minha despedida via Gilberto
Gil: “Todo o povo brasileiro / Aquele abraço!”.
Excelente texto, cheio de Herculano por todos os lados. Achei, apenas, que você exagerou na seleção vocabular e em construções eruditas (reflexos lusitanos? rsrsrsrsr)
ResponderExcluirConcordo com a problemática levantada, mas cumpre lembrar sempre do efeito positivo que um abraço e uma palavra gentil são capazes de criar em uma mocidade. Digo com segurança: voltei à casa Espírita na semana seguinte à minha primeira ida por causa da forma de que fui recebido. Felizmente, na multiplicidade de grupos e posturas que temos, há lugar para diversas formas de agir e pensar, e espaço para todos os caracteres sem recebidos.
O amigo Takuan me perdoe o vocabulário se o considerou erudito rsrs Não foi minha intenção.
ResponderExcluirCreio que no texto fica claro (senão faço-o agora) que a espontaneidade é tudo.
Já ouvi relatos de abraços não desejados que fizeram o efeito exatamente oposto ao que houve contigo...