sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Santo Agostinho e o Espiritismo, parte 3: Agostinho, Deus e a Lei Divina

por Fábio Fortes

Quem conhece a Verdade, conhece-a; e quem a conhece, conhece a eternidade; e quem a conhece, conhece o Amor.
Agostinho, Confissões, V, 12


Para nós, espíritas, o conceito de Deus, como o Criador, a “suma inteligência, causa primeira de todas as coisas” (Livro dos Espíritos, questão 1), talvez soe por demais familiar. De fato, a Doutrina Espírita alarga nossas concepções de Deus, que não é mais o ser representado à semelhança do homem, mas é a reunião de toda a bondade, misericórdia, justiça e perfeição, que o identifica, sem dúvida, com o amoroso “Deus-Pai” revelado por Jesus Cristo. De resto, embora nos faltem ainda recursos intelectuais para a compreensão da natureza íntima de Deus, sabemos, pela Codificação Espírita, que Deus tem como atributos a imutabilidade, a eternidade, a suma perfeição.

Em meados do século IV, porém, muitas ideias até contraditórias existiam acerca de Deus. Com a influência das doutrinas helenistas, do politeísmo antropomórfico greco-romano, da visão judaica da Divindade, Deus poderia ser uma ideia compreendida diferentemente na mentalidade média das pessoas: um ser sobrenatural e vingativo, em nome da Justiça, um herói olímpico, redentor dos homens, ou um conceito abstrato e metafísico regulador da natureza, ainda que frio e distante. A inteligência de Agostinho examinou cada uma das concepções de Deus, oriundas das diferentes escolas da época (neoplatônica, cética, pagã, judaica), para apresentar à humanidade, enfim, um conceito de Deus bastante parecido com a definição que hoje encontramos no Livro dos Espíritos: “Deus, era este o ser incorruptível, indeteriorável, imutável (...) Jamais alma alguma pôde ou poderá conceber alguma coisa melhor do que Vós – sumo e ótimo Bem” (Confissões, VII, 4, 6) .

Como “sumo e ótimo Bem”, Deus é a perfeição, a reunião das virtudes a que pode aspirar a alma humana, portanto, Deus é o Criador de todo o Bem: “Perguntei pelo meu Deus à massa do Universo, e respondeu-me: ‘Não sou eu, mas foi Ele que me criou´”. De resto, a dualidade maniqueísta entre o Mal e o Bem, que, na Idade Média, levaria à concepção dualista de Céu e Inferno, Deus e Diabo etc., não condizia mais com o conceito de Deus enquanto perfeição absoluta e imutável, agente criador do Universo. De fato, enquanto Agostinho se demorava nas doutrinas maniqueístas, custou-lhe reconhecer que o mal, enquanto substância, não existe: apenas o bem é obra da Criação Divina. A alma encarnada, porém, pelo livre-arbítrio, pode tomar caminhos que estejam na contra-mão desse sumo e eterno bem criado por Deus: “Procurei o que era a maldade e não encontrei uma substância, mas sim uma perversão da vontade desviada da substância suprema – de Vós, ó Deus”. (Confissões, VII, 22).

Para Agostinho de Hipona, como para nós, espíritas, o mal não é algo exterior ao homem, a arrastá-lo a determinadas condutas. O mal que possamos vivenciar nasce de escolhas íntimas, é fruto do nosso livre-arbítrio, segundo a nossa vontade, embora em contradição à Lei Divina, que, no entanto, é imutável. Não existe um Deus que castigue o mal, ou puna o pecador. O prejuízo ou o benefício de cada ação humana é regulado segundo uma Lei de caráter universal: “O furto é punido pela vossa lei, ó Senhor, lei que, indelevelmente, gravada no coração dos homens, nem sequer a mesma iniquidade poderá apagar”. (Confissões, II, 9).

A Lei de Deus está indelevelmente inscrita no coração humano, palavras que nos fazem recordar a questão 621 de O Livro dos Espíritos, em que Kardec pergunta aos espíritos: “Onde está escrita a Lei de Deus?” – Na consciência humana, respondem. Segundo os espíritos da Codificação, a Lei de Deus “é eterna e imutável, como o próprio Deus” (LE, 615), tal qual Agostinho reconhecia em seu tempo: “Em que tempo ou lugar será injusto que “amemos a Deus com todo nosso coração, com toda a nossa alma e com toda a nossa mente, e que amemos ao próximo como a si mesmo?” (Confissões, III, 15). Poderíamos responder com ele: nunca, em lugar algum a lei máxima do Amor será revogada.

A expressão dessa Lei, a iluminar, então, o pensamento de Agostinho e a esclarecer a Humanidade nos dias de hoje é, portanto, o Amor, como mostra a mensagem de Jesus, como testemunham os bons espíritos, como ecoa o pensamento agostiniano nas palavras da Codificação Espírita. A vivência do amor a Deus, ao próximo e a si mesmo é a chave para a transformação moral do homem, o resultado do processo de autoconhecimento e evolução humanas, o espelhamento da conduta de acordo com a Lei de Deus. Pois, se soubermos amar, podemos fazer qualquer coisa, e qualquer coisa será reflexo da ação divina no mundo por intermédio de nós, como também afirmava Santo Agostinho, em uma de suas máximas: Ama e faça o que quiseres.

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